Neste livreto, o leitor tem acesso a todos os sonetos de Gama Bell já cadastrados neste website. A obra completa é bastante mais extensa, mas alguns de seus principais sonetos podem ser aqui conferidos. Este livreto inclui todos os sonetos pertencentes aos oito livretos temáticos de sonetos.
As poesias deste livreto estão registradas na Biblioteca Nacional:
Registro 579.037, Livro 1.106, Folha 112
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Descubro no silêncio raras vozes
Que acalentam minha alma docemente,
Mesmo em meio às angústias mais atrozes
Que fatigam meus passos acremente.
Por tantos desenganos, às vezes, tonto,
Descubro um refúgio que me faz bem:
É que em mim o silêncio bate o ponto
E me sinto feliz como ninguém.
Como bom companheiro o considero,
Pois sempre sugeriu alternativas
Conducentes ao grato e reto agir.
Veja, então, que silêncio não é mero
Calabouço à palavra irrefletida,
Modo de vida assim... de escol porvir...
Íngreme e tortuoso esse caminho,
Outrora, ladeado de florestas,
E presente hoje ainda tanto espinho
Acabrunhante pedra com arestas...
Sulcos abertos, velhas as carretas,
Lado a lado, barrancos derreados,
Flores nativas, musgos, as facetas
De um tempo carinhoso então passado.
No ar, canções coloridas, e faceiro
Um povo com domingos bem cumpridos,
Dias de escola séria ali assistida.
Inda me abanam, velhos, os coqueiros,
O pôr-do-sol... o mesmo, repetido,
A mesma igreja branca, encanecida...
Tantos os simulacros... ricos, pobres
querem troféus de vária, sutil gama.
Ao de fechados olhos sempre engana
o vistoso aparato. Engodo encobre
retórica solerte, calculada.
Já perscrutei com afã, muito cuidado,
e encontrei, no jazigo decorado,
vã, efêmera glória à terra dada.
Mas nem tudo me pode amedrontar,
porque, bem oportunos, há momentos
para o sadio intuito avaliar.
Também porque, da lama repugnante
e de forjados, sórdidos eventos,
brotam flores de aromas bem fragrantes...
Abril de 1997
Absoluta e envolvente imagem, diz a História
De um distante e fantástico passado, atento,
Ah! personagens tais... de muito ousado intento!
Reais, como em vitrine, perenes memórias.
Anônimos, mas bravos, no idôneo cenário,
Fidedigna essa amostra e inolvidável cor...
Revelando que adquire expressivo valor
Não melhor só por falta de mais calendário!
Com tanto cabedal, muito justa a alegria
Para que se exalte essa gloriosa parte
Do brasílico chão, conforme o seu destino
Notavelmente ilustre e excelsa a galeria
De artistas nas Ciências, Letras e nas Artes
Luminares da fama, brilhos nordestinos...
Porto Alegre (RS), outubro de 2007.
Com único objetivo de educar
Nos moldes que o Beato previu, quis,
Um prolongamento, eis, de Champagnat:
O querido Colégio São Luís.
Nele presente a mesma, única linha
Desde os idos do século passado,
Na senda da modéstia, são, caminha
E se vê sempre muito procurado.
O que dizer dos seus cento e vinte anos?
Nada mais que fiel desde a raiz,
Legado que, contentes, sublinhamos.
Deus te salve, colégio jubilar,
Persegue a tua sina e sê feliz
No escopo a que jus fazes: inovar.
Santa Cruz do Sul (RS), 09/03/1991.
Quando, à noite, o céu se esconde
Para além da serrania,
Divago não sei aonde
Só porque amo a nostalgia.
Tem a noite tal magia,
Misto de dor e saudade;
Muito, muito quereria
Que fosse a eternidade
Para sondar o infinito,
Mas bem sei que é utopia
Porque contingente sou.
Inda assim meu longo grito
É farta luz cada dia
Com que o tempo me brindou.
Julho de 1985
Uns o chamam colina da saudade,
Campo santo dirão outros também,
Fatal, de qualquer forma, eternidade
Na Montanha ou no Báratro, no além...
Quer pelo Sol nascente iluminada,
Quer por difusa luz... pálida Lua,
É sempre a derradeira tal morada
Donde a suprema vida continua.
Em paz estarão todos os finados
Que, incólumes, viveram santa lei,
Partícipes daquele grande aprisco
E, para todo o sempre afortunados,
Pois somente se integram nessa grei
Os seguidores lídimos de Cristo.
É desde a necessária, mais remota história
Um pertinente alerta no convívio humano.
Nenhuma novidade, somente a vanglória
Esconderia tantos, fatais desenganos.
Tardes brancas, ocasos bem ensolarados,
Sombrias manhãs, minha alma pouco festiva,
Desertos e florestas andam alternados,
Profunda cicatriz na fibra sensitiva...
Fluxo e refluxo, verso e reverso se espelham
No imo de cada ser, ânsia controvertida,
Se plácido ou revolto, o mesmo mar da vida...
Verdade é que os extremos muito se assemelham,
Que a vida humana não lhes estará submissa,
Fruto da livre escolha nesta eterna liça...
Outubro de 1993
À Santa Face ofensas por pagar,
Que as sacrílegas mãos do homem fizeram!
E as de Cristo, sagradas, que quiseram?
À imolação cruenta se entregar.
Da mesma forma os pés que, sacrossantos,
Não seguiram senão outro destino:
Desvios corrigir, os descaminhos,
O engodo humano, seu falaz encanto...
Para afastar qualquer mau pensamento,
Com espinhos deixou-se coroar,
Escárnio do pior aviltamento.
Porém gesto supremo quis, por certo,
Deixar para poder agasalhar:
Para sempre, manter seu lado aberto!
Casa linda, por denso verde sublinhada,
Ao lado de não menos encantador lago
Crianças se divertem e gozam do afago
E da branda carícia da brisa aguardada.
Não existem crianças em cuja postura
Não se detenha o adulto, fato corriqueiro
Não somente em momentos, mas o tempo inteiro
Tanta e tal é, sem dúvida, a sua candura.
Nossos parabéns! Votos fazemos, diria
Visto que um "muito obrigado" preferiria
Salutar compromisso que aprecio mais.
Por tudo isso, desejo, agora, confirmar
De Liana e de Osvaldo, gentis, proclamar
Carisma que engrandece e que prezo demais!
Granja na qual a família se reúne. Taquari (RS), março de 2010.
À beira do caminho, exangue, inerme
A vítima, ao sabor da indiferença.
Passa o rico, peado paquiderme
Sequioso de humana recompensa.
Interessado, acode; aos quatro ventos
Propala que o momento não perdeu
Para fazer manchete neste evento:
Rádio, jornal e tudo concorreu.
A Escritura retorna com seus dardos
Ao fariseu jogados, que fulminam.
Sempre existem sepulcros... são os tardos
À cata de louvores passageiros.
Quimeras, vãos engodos, pois terminam
Como os falaciosos pregoeiros...
Outubro de 1976
Há muitos anos, levas de imigrantes
Pisaram nesta terra, Santa Cruz,
Provaram, com trabalhos relevantes,
Que ao bem o sacrifício sempre induz.
Com suor, terra humosa aqui regada
Foi generosa em frutos sazonados,
Porque, tenaz, a prole abençoada
Viu com amor seus campos cultivados.
Hoje, indústria pontilha a sede urbana
De chaminés, arautos do progresso,
Levando avante a fama alegremente.
Parabéns, pois, heróis, é bem humana
A mensagem que emana do recesso
Do teu ser, operosa e digna gente.
Há muito, existem, certo, os direitos humanos.
Séculos já atestaram sua idoneidade.
Assim pensamos nós, com peito aberto, ufanos,
Preciosa conquista para a Humanidade.
Curioso que estados fortes "defensores"
Os proclamem, afoitos, a plenos pulmões;
Na verdade, porém, lídimos devedores
Desse mesmo direito a não poucas nações.
É, sim, armas vendidas, negócio vultoso,
Bombas, mísseis e caça à vida de inocentes,
Por outros pagam quantos! É duro, assombroso!
Contrassensos. E como se propalam lemas!
Escamoteada fuga dos incongruentes,
Visando aos pedestais de perenes poemas...
Abril de 1984
O joão-de-barro, artífice de escol,
Para o trabalho vai, sempre faceiro,
O mesmo, de arrebol em arrebol,
E talvez o mais prático engenheiro.
O bico que alimenta, o barro amassa
Em meio a tão sonoras gargalhadas!
Tudo com calma, nada o embaraça
Ao modelar a casa arquitetada.
Nesse ritmo, trabalha satisfeito
Com evidente esmero, e agradável
Quer vente, faça sol ou longo frio.
Muitas vezes eu penso que é perfeito
Modelo de operário responsável,
Personagem legal, de muito brio.
Regularmente à nossa casa chega
O jornal nos trazendo a novidade,
Elo estreito e seguro que aconchega
As áreas campesinas e a cidade.
Quer faça sol ou chuva, ou densa bruma,
Lá... vem o jornaleiro tão pontual;
Mesmo em lânguido olhar, é sempre, em suma,
Arauto do alimento, o cultural.
Eu já falei com tantos pequeninos,
Tristes alguns, sem pai por esta vida,
Valentes, ajuntando o dinheirinho.
Dizem-me que é preciso trabalhar,
Que inda escola frequentam (dura lida!)
Para um padrão mais grato assegurar.
Enquanto a sogra teve força e influência,
Com casa cheia e tantos admiradores,
A nora, secundada por seus pendores,
Demonstrava-lhe afeto. Só aparência...
Muitas e fartas festas, aniversários,
Convinha concorrência para aparecer;
Cínicas atitudes, pois, para tecer
O mais simples dos mais fáceis corolários...
Eis, porém, mal a sogra os olhos dois fechou,
Surgiram as discórdias. Muita "fineza"
No auge da hipocrisia então requintada.
Para as cunhadas farpas tais endereçou
Sob a carpada mais solerte lhaneza,
Própria de alma pequena no imo incubada.
Efêmero momento a nossa vida.
Fugacidade... e vã tanta atitude,
Sempre, porém, perene concebida
Para fugir ao lúgubre ataúde.
É o jogo dos contrários, necessário
Ao contingente ser, constantemente.
Engano, engodo... assim é temerário
O intento de viver eternamente.
Numa refrega, cujo perdedor
Será sobejamente conhecido:
Corolário da queda original.
Contudo, amigo, existe o vencedor
E o teste é contrição do arrependido
Por mais grave que tenha sido o mal.
Julho de 1980
Da mata escura emerge a catedral
Numa auréola de luz inebriante,
Pressurosa me fala de Natal
De multicores brilhos tremulantes.
Absorto, desço e tenho à minha frente
Quase etérea visão ao pôr-do-sol,
Raro templo à luz morna do poente,
Enquanto lento morre o arrebol.
Nada de sons percebo, apenas cores
Do alto do cerro verde, festa plena
E perene banquete de valores
Marchetados na autêntica cultura
Nesta leve, estival tarde, serena
Com que o tempo a cidade emoldura...
Março de 1988
O espelho não me trai; diz-me a verdade:
Que o tempo passa e muda fatalmente,
Sem dó, transforma duramente,
Só não transforma a pura divindade.
O passado... de eventos, só passado,
Mas de lições repleto. Ordenamentos...
A muitos ele dá contentamento,
Em outros deixa os pés empertigados.
O presente, palpável, dia a dia,
Provê provas à nossa finitude
E o ânimo dos fracos arrefece.
O futuro, esse fluxo é companhia
Dos contrários - o vício e a virtude -
Submete à prova o Bem, que cresce, cresce...
Do ninho uma saudade - a do conforto -
O que, afável, brindou-me segurança
Exigida nos tempos de criança,
Inefáveis aos quase hoje "sol posto".
Nele, os primeiros passos - áurea lida -
Fraterno amor não menos repartido
E o filial afeto antes curtido,
Vivo ontem, hoje e sempre em minha vida.
De volta ao alfombrado e doce lar,
Furtiva, alguma lágrima a rolar
Agita o coração branca verdade...
Porque ele apela tudo a degustar;
Tempos saudosos, só pra recordar,
Doridos, pois não voltam mais, saudade...
Suplicante, eis uma nostálgica praça
Da açoriana saga bicentenária
No abandono, em parte, triste e solitária
Perdendo, assim, aos poucos, a antiga graça.
Dolorido um lamento se evola aos ares
Do alquebrado e saudoso caramanchão
Gesto amigo almeja, de restauração
Para, garboso, unir os dois patamares.
Pois fundada esperança paira faceira
Num verde anseio, como pano de fundo:
O esbelto porte das altivas palmeiras.
Quem sabe... um largo abraço, quanto fecundo
Reconforte a presença lusa, altaneira
Na carente Praça Dom Pedro Segundo.
Taquari (RS), setembro de 1985.
Sobre suas ideias debruçado,
O poeta procura o termo exato,
Enquanto um sabiá triste e pacato
Longo e saudoso evola seu trinado.
Era na meia tarde ensolarada
Perto do avarandado acolhedor,
Cantava um os eflúvios, todo o amor,
Outro escrevia versos à idolatrada.
Todos encontram modos de expressar
Tudo aquilo que a curta vida encerra:
Tristeza e alegria aos borbotões
Como as do sabiá pronto a cantar
E as do poeta em frases sinceras:
Vida, canto e poesia aos corações...
Certa gralha, um pavão queria ser,
Sempre numa falácia bem urdida.
Planejou com cuidado, para ter
Aparência nunca antes exibida.
Longamente pensou sobre a matéria
Até enganar-se a si, filosofou...
Penas catou: pequena, grande e média
E, com elas, feliz se engalanou.
De desfile em desfile, sem parar,
Foi despencando toda a fatuidade.
Como, sem fundamento, a fama passa!
Quanta gente orgulhosa, para mudar,
Seu visual transformou por vaidade!
Onde a glória? Foi nuvem de fumaça...
Benevolentes, mornas as manhãs
Para um raro prazer usufruir...
Tanta folha amarela a colorir
Manhãs e tardes, lídimas irmãs!
Amenos dias tépidos de sol
Macio, pacatez da natureza...
Olímpica expressão de singeleza,
Enquanto morre plácido o arrebol.
À noite, quando a lua alta, serena,
Mandar argênteos raios, o que mais
Sentirei? Só matizes outonais.
Tantos outros desejo e às dezenas,
Sem número, mas muito mais de mil,
Na mística estação, mês de abril...
Distantes plagas próximas da gente,
Na alcantilada sempre verde serra...
De favônios amenos, reverentes
Que aos frutos bafejam desta terra.
Tortuosos caminhos, perfumados
De angústias delongadas no labor,
Ridentes, simples lares espalhados,
Generosos cenáculos de amor...
Comum fala espontânea de além-mar,
Acridoces canções quase esquecidas,
Um puído folclore a retornar.
É caminhada longa, percuciente,
E tudo punge... seta desferida
Pela plaga distante, eternamente...
Novembro de 1977
E vai-se lentamente a luz fugaz
Que a minha curta vida iluminou
Muito bom que atrativo vil, falaz
Meu barco, embora frágil, não virou.
Não longe está o feliz porto, seguro
Que a paternal herança, a fé, norteou
Uma vez que inclemente hálito impuro
Da paixão meu batel interrogou:
Se o vício, duramente, nesta luta
Muito ceifa, destrói, almas dizima
Ao forte não derrota, em qualquer tempo.
Se algo posso dizer a quem me escuta
No eclipse meu fatal, que se aproxima
É isto: vida efêmera, pó ao vento...
16 de março de 1990
Praça da catedral de linhas góticas
Magna expressão da fé consolidada,
Da pira e da retreta patrióticas,
Simbiose de Igreja e Pátria amadas.
Praça de claros sóis primaveris...
Recende a flor olente tanto aroma!
De rostos jovens, de outros já senis,
Quanto tempo a pensar sempre me tomas!
Praça das clarinadas, céu azul...
Da ridente estação, a de setembro
Que faz reviver Santa Cruz do Sul...
Praça... de ecos sonoros, natalinos,
Das policromas luzes de dezembro,
Natal do meigo Infante Deus menino...
Praça Getúlio Vargas, Santa Cruz do Sul (RS), setembro de 1972.
Dois extremos, dois polos na cultura
Do poema que o tempo instituiu:
A métrica perfeita, uma postura,
Outra o livremetrismo persuadiu.
Marcar a nova práxis: modernismo.
Puro aspecto formal, questão de gosto
No trato da verdade, sim, modismos,
E matizando apenas, nada imposto.
Reserva este viver muito oportunas
Situações paralelas ou contrárias,
Sem perturbar a essência, simples brumas...
Rigor rimado ou mesmo verso branco,
Pouco importa, pois são as necessárias
Visões, desde que sejam versos francos.
Outubro de 1973
Recordo ainda aquela meiga estrela
Que do meu quarto sempre contemplava.
Era inverno bem lânguido e chegava
A me saudar, alegre, na janela.
Era na hora da prece, Ave-Maria
E vinha tanger cordas de saudade.
Não sei se outro momento, na verdade,
Mais ameno do que este, nostalgia...
Quantos versos fluídos na dormência
De tantos fins de tarde espreguiçada
Que vivi em minha verde mocidade
Cada um recorda suas referências,
A minha há muito tempo está incubada:
Fim de dia... da estrela da saudade...
Uma longa saudade! Sem meu pai!
Nostálgica essa imagem... O lembrar
Já vai longe demais para aguentar
Tanto e profundo o grito, o dos meus "ais"...
Saudade imensa aperta dos conselhos
E das ponderações: "Cuidado, filho,
Juízo, atenção. Muito falso brilho
Se reflete no olhar, perfeito espelho."
Tanta sabedoria paternal!
Idônea segurança em me instruir
Na corrente da vida, dia a dia...
Neste peito, pulsa, e bem filial,
A me dizer "Seus lemas vai seguir,
No báratro, sem eles, que seria?"
Santa Cruz do Sul (RS), fevereiro de 2004.
Pelos vícios, difícil criticá-lo
E difícil louvá-lo por virtudes,
E muito mais difícil abordá-lo,
O silêncio, tamanha a magnitude
Do alcance para quem sabe viver
Não somente a seu lado, lisonjeiro,
Porém, principalmente, conviver
Com ele, o mais fiel, bom companheiro.
Quanto vi lenitivo aconchegante
Neste são, meu amigo que acrisola
Meus planos sempre mais a todo instante...
Que mais dizer senão que erro rotundo
Sucede a todo aquele que o imola;
É qual flor que estiola ao sol fecundo.
Fevereiro de 1984
Já viste como a Lua empalidece
E mergulha em tristeza tão profunda?
Sim, é muito engraçado, mas parece
Que o dia não faz bem, então se afunda...
Durante o dia, reina claro o Sol
À noite negra, a Lua, sem rival.
É sempre, de arrebol em arrebol,
A luta de titãs, tão natural.
Sol... sinal de energia e de vida,
Lua... argêntea magia colorida,
Noites tantas de sonhos, de ilusões...
Assim, as vinte quatro* horas vividas,
Tudo assim: convivência consentida,
Sol e Lua cindindo corações...
* licença poética
Luziu num horizonte e já, noutro, sumiu,
Qual meteoro e foi deixando o mundo absorto.
Consigo a alegria que o orbe aplaudiu,
Carisma jovial do nosso pastor morto.
Sorriso, hoje, sepulto de quem fala a língua
Da grande massa humana, dos que não têm trono.
Aos que sofrem calados e morrem à míngua
Terá ocorrido apenas pesadelo, sonho?
Não! Há no pastoral gesto do curto adeus,
Lenitivo que atinge a toda a Humanidade,
Bálsamo que tão cedo desapareceu!
Mas, sentados ao lado dos sorrisos seus,
Sempre, aqui, sentiremos, com intensidade,
Afagos da paterna carícia de Deus.
Em memória do Papa João Paulo I.
Tecnologia... termo do momento,
A linha diretriz, cega e mordaz...
Riqueza a qualquer preço já, incremento,
Cobiça e ouro e nada satisfaz.
Humanismo, palavra atrofiada,
Relegada ao pernóstico ostracismo...
Quisera fosse um pouco respeitada
Em prol do que já foi tanto altruísmo.
Carecemos da forma de pensar
E sentir de maneira mais humana.
Que exaustão! Quão pesado o velejar
No vórtice dessa árdua, atroz corrente!
Só uma ideia, no entanto, satisfaz:
Na alma auscultar progresso, humanamente...
Sempre sonhei com estes dois tesouros:
Esposa equilibrada e filhos meus.
Posso dizer, contente, que o agouro
Me atendeu como quis, valeu-me Deus.
A vinte e quatro, julho, me casei,
Enlace pelo tempo programado,
Em junho, dia onze, contemplei
Vir ao mundo um rebento bem gestado.
E a vinte e um de agosto, outra alegria
Encheu meu já querido, alegre lar:
Outro, segundo filho meu nascia.
E agora só desejo igual ventura
Pela vida que resta: acrisolar
Felicidade e frutos da ternura.
Junho de 1995
Símbolo, enfim, de Porto Alegre, o Laçador,
Guardião da Cidade, em praça assinalada...
Da alma gaúcha imagem passa, idolatrada,
E, em seu brioso porte, vivo o destemor.
Nele, honradez presente e garbo na bravura,
No fundo do sereno olhar, plena a franqueza,
À Cidade um sorriso franco, uma presteza
Que engodos não admite. Transparência pura.
Prudente e caloroso, jamais se desmente.
Basta que seu preceito não se desconheça,
Leal, no rosto, a marca da hospitalidade:
A todos os que chegam, "prazer, minha gente"
A quem parte, o convite "ei, amigo, apareça"
Finalmente, a quem fica, "sinta-se à vontade"
Porto Alegre (RS), outubro de 2007.