Neste livreto, os poemas não observam métricas previamente definidas, libertando o poeta para exprimir-se com toda a exuberância de sua alma.
As poesias deste livreto estão registradas na Biblioteca Nacional:
Registro 579.035, Livro 1.106, Folha 110
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Ladeado por domingueiros,
festivos coqueiros,
parece até com abanos de sentimentos volitivos,
carinhosa peça no palco da imigração
que deveria estar em cartaz concorrido -
permanentemente jaz o velho forno
sempre em reparo,
exibindo de alegria uma cor operosa,
feita de suores repetidos
em reiteradas imolações
pelo amor vermelho do braseiro.
Memórias quantas!
para trazer o povo exótico
de origem latina
ao vale do licor dos deuses,
ao qual Baco destinou a cantina
nas barrancas do Rio das Antas
pesadas navalhas de aço, arfantes,
cortaram profundas, imensas águas tropicais,
descerraram do Novo Mundo mais uma vez a cortina
e, deixando para trás longas mágoas
incrustaram na fronte da serra
pérolas de seus traços culturais...
Nas gerações passadas,
os sobrados de um povo laborioso,
apesar de mãos pesadas não terem conhecido
o caminho da escola...
um toque sutil, gracioso,
nos simétricos serrilhados
que exibem outra face da história...
cristalizadas gotas de arte,
aureoladas de saudade
retidas no frasco da memória.
Sem lhes dar o devido valor,
outrora os via e, hoje, chegado o porvir,
constato o incólume receptáculo cultural;
vejo que, na alcantilada serrania,
há sobrados de requintado lavor,
tudo neles inebria,
não há diploma que autorize o descaso
ao relicário artesanal
que resulta de uma inusitada saga
do mais aquilatado labor...
Bastas, verdes cabeleiras
aos milhares, oxigenando pulmões
se acossavam para respirar
e produzir rubicundos pinhões.
Suas companheiras menores, exemplares,
seguiam-lhe o exemplo - uma promessa...
lanhado seu corpo - esbelto cilindro
espiava o Sol no seio da floresta.
Uma festa, abundância... outrora
hoje, carência, entre meus conterrâneos,
o responsável seu expia, impotente, o pecado
por ter acalentado impulsos momentâneos...
Bastas, verdes cabeleiras
aos milhares, oxigenando pulmões
se acossavam para respirar
e produzir rubicundos pinhões,
para as casas farta madeira,
para os olhos uma seara prazenteira...
Outras cabeleiras menores seguiam-lhe o exemplo,
uma promessa...
Lanhados corpos de esbeltos cilindros verdes
espiavam o Sol apertados no meio da floresta,
uma festa, abundância outrora,
hoje, carência entre meus conterrâneos
que expiam seus pecados
por terem acalentado impulsos momentâneos,
premidos pela necessidade de abrigo.
Engano rotundo?
Não, é o peito arfante da manhã
um bloco informe,
de chumbo,
atrás de morros acocorados no horizonte
respeitável aparência...
e se avolumando
um vulto enorme,
o das contingências
... me acossando...
Uma aquarela envolvente, piramidal,
a saga do imigrante:
no vértice, casas e moradores,
nas arestas, tenacidade, tradição, trabalho, fé secular
entre alguns dos maiores valores;
na base segura, o parreiral,
o poço e as irmãs menores, as fontes,
o forno, redoma de energias comprimidas,
a lavoura, celebração de compensadoras agruras...
Em torno, facetas complementam a geometria:
o descontraído cantar,
o folclore colorido,
o lazer criativo
e a fala original de além-mar...
Geômetra nenhum preciso ser
para entender a singular simetria,
preciso apenas sensibilidade ter
para dizer como se faz uma nostálgica alegoria...
Se alquimia pratico,
e contabilizo
o caudaloso repertório
da minha rua,
sou fruto da terra crua.
A optar entre o inexorável veredito
do fogo da inquisição
e a paterna comiseração
a qualquer grito
(que sempre incriminam)
em qualquer latitude,
prefiro o fiel da balança
da minha consciência;
ainda a melhor atitude.
Maio de 1962
Encheram-se os caminhos
de hirsutos espinhos, nos idos do século passado,
durante a madrugada, por diversos atalhos,
numa caminhada emoldurada
de pontos-de-interrogação,
mas, aos poucos, até o entardecer,
foram vistos, inoculados pelo sinete do trabalho,
eclodindo atapetados
de flores e frutos,
uma epopeia de outras cores,
a da italiana imigração.
Por longo tempo estive inadimplente
com o erário da cultura incrustada
na arquitetura de Antônio Prado,
matizada com o dedo sutil dos de além-mar,
recentemente enastrada de um colorido especial
pelos meios de comunicação.
Fui omisso,
por isso
peço-lhe perdão incondicionalmente,
reverente,
em salmo penitencial.
Virando uma página de história acalentada
e anelante como ninguém,
pago, com juro dobrado,
o preço já publicado, inestimável que hoje tem.
Fulminadas pela tempestade,
morrem e rolam na voragem
árvores carregadas de sementes,
mas, na verdade,
a grande vantagem, permanente,
é que as fontes de nova vida
renascem um dia,
apesar de combatidas, fatalmente...
Corpo é acidente
na multiplicidade vária,
na contingência necessária,
e ideia é essência
que sobrevive às violências.
Maio de 1958
Por momentos, em silêncio,
aflorados dos patamares da memória,
desfilam, solenes,
dos imigrantes os velhos solares,
rútilos lagares a porejarem
sonolentas reminiscências...
São monumentos, soldados de fardas puídas,
ao lado do forno capenga, enfumaçado,
em sua rude beleza,
intrépidos templos frente ao vento
devastador do tempo.
É tudo madeira, musgos, singeleza,
e tudo reza heroicas sagas,
sequelas nas místicas paredes e janelas,
nas portas, nos telhados.
Arrostaram corolários seculares,
de linhas tortas,
hoje evocam longas estórias,
acalentam, nas cinzas semimortas,
cantigas vindas de outros mares.
Sempre a mesma roupagem,
nada mais que mínimas parcelas
de remoto passado na sua plácida dormência.
Rudes, velhos barcos no tempo encalhados
junto ao poço, irmão do forno e do parreiral
que derramou, em seu canto,
lágrimas espremidas sob os pés calejados,
suavizados pelas canções coloridas,
de raro acalanto, original.
Lares subiram as mesmas escadas,
alpendres vibraram toadas
no recesso de concorridos esponsais,
sobrados de lanternas titubeantes
em renovada festa
das noites cambiantes, hibernais...
Sobrados que vararam noites prateadas de serestas
que à paciência do tempo empresta
e, no seu generoso bojo, farto bojo, aprisionou...
Vida... eis multifacetado prisma
fiel a refletir o que somos:
tudo, todos os nossos carismas
porque, contingentes, passo a passo,
compomos...
Vida, paciente moenda,
roda, roda sem parar
até que, em suprema oferenda,
roda, roda até definhar...
Mas a memória reconstrói,
retoma a roda,
rastreia, remói,
faz história.
Um perene dessedentar...
Poema 1
Vinho é muito engraçado, por incrível que pareça:
Ao estômago é endereçado, porém diverte a cabeça;
Beba vinho quanto quiser, mas escolha bem o jeito,
Porque até o santo Noé provou os grandes efeitos.
Poema 2
Eu concorro, já estou pronto para exaltar a vinha,
Baco bateu aqui ponto amigo, ditou esta trovinha:
Vinho tem mágico poder de acalmar alma inquieta,
De os sentimentos verter, de gerar poesia seleta.
Poema 3
Vida, soma de instantes degustados devagarinho,
Mas bem mais inebriante libada ao aroma do vinho;
Todos queremos carinho, provar na lida tal sabor
Que finas taças de vinho nos brindem perene amor.